Opiniões, críticas, reflexões, comentários e saudações serão extremamente, e sempre, bem-vindos

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Uma grande contradição: vida finita, morte infinita

A vida humana e a morte

(Autoria: Pedro Lança Gomes; Felipe Sad Salomão Martins)

Segundo Segre e Cohen (1995), a bioética é o ramo da ética que enfoca questões relativas à vida humana e à morte. O direito à vida e à morte digna são abordagens presentes desde o momento em que o homem consegue valorizar sua existência e temer o seu fim (Campos e Camargo, 2000).
               “As ações do regime nazista banalizaram a vida humana e a morte. Os corpos foram marcados pela violência, desde a sua perseguição, do encaminhamento aos campos de concentração e câmaras de gás, ao seu despejamento em valas coletivas. O corpo se viu sendo utilizado como instrumento para a construção de uma ideologia sectarista.”¹
“As atrocidades cometidas pela ideologia de Hitler marcaram de insignificância a vida humana”¹
A banalização e o desrespeito à vida humana são uma constante em nossa sociedade.
A conseqüência direta da banalização da vida humana e da morte é a perda de senso critico em relação ao valor da existência humana.
Essa banalização leva a barbárie e possivelmente torna o homem insensível à dor alheia. Pode também despertar pulsões de diversos tipos, dentre ela, a violenta, a homicida e a suicida.
O direito de nascer, crescer e morrer naturalmente são invioláveis.
A antecipação da morte é uma violência, na qual o respeito à vida não existe, há a banalização da vida retirando seu valor essencial. (MARTINS, 2010)
Partamos então para a análise do conceito de vida. Segundo o dicionário online de português (http://www.dicio.com.br) a vida é, dentre outras coisas, um conjunto de condições necessárias à preservação do homem, além de um espaço de tempo entre dois acontecimentos. Conceito um tanto mesquinho para definir algo tão grandioso, provavelmente porque muitos confundem vida e existência – viver é a coisa mais rara no mundo, a maioria das pessoas apenas existe, ou, segundo Milton Nascimento, “apenas agüentam”. Para uma criança, a vida é descobrir, para um jovem, a vida é o prazer, para um adulto, a vida é uma responsabilidade, para um idoso, a vida é um enfado. A vida é o que nossos comportamentos e escolhas a tornam, podendo ser desde doce e suave até o mais vil amargo.
Existir é viver em verbos animalescos e ate insignificantes, já a atitude de viver, demanda do ser humano tudo o que ele puder realizar quanto às adversidades do mundo.
Há pessoas que vivem em função de determinados bens materiais, e depositam toda a felicidade na aquisição de tais bens: e quando os conseguir? Há pessoas que depositam a esperança no relacionamento conjugal: e se ele não der certo? Há ainda os que somente acham realização ao desestruturar o que está à sua volta: e quanto à sua própria estrutura?
                A vida é suicida. Uma pessoa que consegue realizar tudo o que sempre desejou, ou quase tudo, provavelmente não achará mais razão para continuar vivendo, e, até como um meio de proteção de tudo o que conseguiu, acaba por dar cabo à própria vida. Pessoas assim vêem na morte uma forma de eternizar uma relação com a existência alheia e à própria, demonstrando medo de nunca mais ser feliz.  Que bom seria se só pudéssemos viver as partes da vida nas quais não houvessem desavenças, infelicidades e frustrações. A morte é muitas vezes vista como o fim, mas, para uns, como forma de se proteger da própria vida que os cerca. Tudo tende para o seu fim, a vida não podia ser diferente.
                Por fim, entendemos então que a vida é o início da morte, e, a partir desse entendimento, compreender que a morte acompanha o homem desde o momento em que o mesmo nasce até o ponto no qual as funções fisiológicas do corpo humano entram em falência total, no qual a vida se separa da morte.
                Vamos agora então observar o conceito de morte segundo o dicionário de português online: morte civil, privação dos direitos de cidadania; morte eterna, privação da eterna bem-aventurança. Quando um indivíduo morre fisicamente, ele pode deixar resquícios de sua vida nas pessoas à sua volta: as lembranças e recordações. Porém, perde uma característica comum a todos os vivos, mas que os mortos não têm mais acesso: a possibilidade de mudar de opinião. A morte é a imobilidade da visão individual que cada um tem do indivíduo e a inércia do que foi deixado para trás pelo indivíduo que se foi.          
                Na profissão médica, a vida e a morte dos pacientes são, muito mais do que rotinas, os alvos de atuação dessa profissão. O médico age tentando evitar a morte, tentando dar qualidade para a vida do paciente e visando, para os que não há possibilidade de prolongar mais a vida, proporcionar uma morte da melhor forma possível. A vida vai do obstetra até o Tanatologista. Por tanto, medicina é o ofício de não só prolongar o tempo que cada um poderá passar nesse mundo, mas também ajudar na passagem das pessoas pelo início e o fim da vida, e que estes possam ter uma vida da melhor forma possível.
                Um ser humano nasce devido à fecundação e um óvulo por um espermatozóide e a realização do desenvolvimento de um feto no interior do útero da mãe: explicar como irá ser formado um ser e porque ele irá se formar, biologicamente falando, é simples, basta que tenhamos um conhecimento básico na área. Um ser humano morre quando... um ser humano morre porque... essas sim são perguntas difíceis de serem respondidas.
                 Quando nosso corpo morre, ele é geralmente enterrado, decomposto e reutilizado nos ciclos biológicos, como o do carbono, nitrogênio, água, etc. Nossa forma física desaparece da face da terra em poucos dias, mas essa forma não é a única que pode representar uma vida. Vivemos também através de idéias: o que escrevemos, o que compomos, o que realizamos, o que perdemos, o que ganhamos, e principalmente o que falamos. A partir do momento que a morte chega e nos deparamos com ela, muito do que somos ela irá levar, mas os ideais que divulgamos e as reflexões que fizemos, se conhecidas por alguém, provavelmente serão lembradas e até passadas para frente.
                 A grande diferença de uma pessoa viva para outra morta não é necessariamente a presença ou ausência de um organismo físico funcional, mas a capacidade ou incapacidade de mudar de opinião, de acrescentar novas idéias, de expressar seus sentimentos e pensamentos por meio de determinado ponto de vista, no caso, o da pessoa que esta morta.
                  A morte significa, para uns, descanso, para outros, simplesmente o fim de uma etapa:

“Solta o riso, senhorita
Mostra os dentes
Diz que sente
Alegria de viver.

Ergue os braços
Sente a brisa
Que balança
Os cabelos.

Abre os olhos
Veja o sol
Veja a lua
Eles sempre estarão lá

Vai, descansa
Desse mundo
Que te quer
Desanimada

Mostra os dentes
Ferve o sangue
Solta a língua
Amanhã

Hoje é paz. ”

P.L.G.







     A alegria de viver está intimamente ligada ao fato da vida ter um significado, podendo ser ele uma meta, um sonho (“Não há nada como um sonho para criar um futuro”, Victor Hugo), ou até mesmo um paradigma. A morte dá sentido à vida também, pelo fato incontestável de ela ser fática, e a vida, finita.
      A única pergunta que deixaremos em aberto é a que para a qual não há resposta: Por que morremos?
     
 
                       







                                                               *Referências:


SEGRE, M.; COHEN, C. Organizadores. Bioética. São Paulo: EDUSP, 1995.


CAMPOS, R. A. C. & CAMARGO, R. A. E. A Medicina e o direito frente à Bioética - Dilema do fim do século. 2000.








     

domingo, 10 de outubro de 2010

Outro olhar

As falas borram o entendimento, e já não há razão para escutar. Mesmo assim faz um esforço e continua de cabeça baixa, balançando-a lentamente, ouvindo. Aquelas línguas são perversas , e desferem-lhe golpes cruéis: família, amigos, paixões, um a um arrancados de sua alma. As lágrimas começam então a brotar dos seus olhos, mas as segura, chora por dentro.

Enquanto os outros falam, vêm-lhe à cabeça alguns pensamentos: vagos, mas presentes. Desejava não estar lá, ou melhor, nunca ter estado lá, ou melhor, que lá nem mesmo existice, mas agora colhia o que plantara, e sabia não poder colher uvas de uma macieira.

Um constrangedor silêncio brotou, mas foi logo abatido por um ou dois soluços. Levantou a cabeça e mirou diretamente nos olhos que estavam diferentes: fundos e opacos, escuros e desfocados. Era outra pessoa- concluiu.

As falas recomeçaram. Passou então a recordar aqueles tempos: o dia em que as palavras se cruzaram; o dia em que os olhos se cruzaram (por coincidência, os mesmos); o dia em que as mãos se cruzaram. Ocasiões belas e singulares. Distantes.

Cobriu o rosto com as mãos. Mas...ora, uma supresa! Estava sorindo, o sujeito. Olharam-no com assombro, e o que era desagradável para um, tornou-se ainda mais desagradável para o outro. Agora gargalhava.

O homem que teve seus sonhos retalhados, que acreditava-se morto, agora ria como uma criança ao provar, pela primeira vez, a água do mar. Pediu licença e, mesmo sem recebê-la, retirou-se do diálogo. Sentia seu coração bater em um ritmo frenético e alucinante. Saiu na avenida, olhou para o céu e vislumbrou, com olhos enormes, um emaranhado de estrelas dispostas aleatoriamente. Enquanto lambia-lhe os ouvidos a mesma brisa geladinha, ajoelhou-se. Até mesmo a lua parecia iluminá-lo de forma mais gentil.

Levantou-se e partiu



Pedro Lança Gomes

sábado, 9 de outubro de 2010

Velha História

Depois de atravessar muitos caminhos
Um homem chegou a uma estrada clara e extensa
Cheia de calma e luz.
O homem caminhou pela estrada afora
Ouvindo a voz dos pássaros e recebendo a luz forte do sol
Com o peito cheio de cantos e a boca farta de risos.
O homem caminhou dias e dias pela estrada longa
Que se perdia na planície uniforme.
Caminhou dias e dias…
Os únicos pássaros voaram
Só o sol ficava
O sol forte que lhe queimava a fronte pálida.
Depois de muito tempo ele se lembrou de procurar uma fonte
Mas o sol tinha secado todas as fontes.
Ele perscrutou o horizonte
E viu que a estrada ia além, muito além de todas as coisas.
Ele perscrutou o céu
E não viu nenhuma nuvem.

E o homem se lembrou dos outros caminhos.
Eram difíceis, mas a água cantava em todas as fontes
Eram íngremes, mas as flores embalsamavam o ar puro
Os pés sangravam na pedra, mas a árvore amiga velava o sono.
Lá havia tempestade e havia bonança
Havia sombra e havia luz.

O homem olhou por um momento a estrada clara e deserta
Olhou longamente para dentro de si
E voltou.

Rio de Janeiro, 1933



Vinícius de Moraes

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Segunda-feira

 
Quantas pessoas sorriem para você todos os dias? Quantas pessoas alegres você conhece? Quanto tempo faz que não escuta uma boa gargalhada?
- "Quantos dedos tem aqui?"
   É cada vez mais raro um sorriso sincero. A gente ri para agradar, ri por educação, ri para manipular, e, em alguns casos, ri para não chorar.
-"Dói alguma parte?"
   Às vezes uma língua afiada dói muito mais do que um corte na pele, e muitas vezes não há linha ou agulha que ajude a cicatrizar a alma.
-"Coitadinho!"
   Vivemos em um mundo cinza, nas cinzas do que já foi um arco-íris. De vez em quando achamos uma corzinha e aproveitamos ela ao máximo, até que se esgote, sem nunca nos preocuparmos em restaurá-la.
-"Não queria estar no seu lugar..."
   Você está feliz? Se estiver, é às custas de vários, pois para cada feliz no mundo temos muito mais infelizes. Para você ganhar, alguém tem que perder.
-"Ganhei o meu dia!"
   Você já fez alguém feliz? Ou viu alguém cair para outro se levantar?
-"Que tombo!"
   No meio da avenida, no meio da noite, sob um céu estupidamente estrelado, me tornei o mais estúpido: caí, ridiculamente, leve como uma feijoada.
   Fiz a alegria de uma pequena multidão. Senti um frio que viajou da planta dos meus pés até a ponta do meu nariz, causando um leve formigamento nas bochechas.
   Quantas risadas, quantos sorrisos! É certo que fiquei desconcertado, mas sem muita demora fui contagiado por aquela explosão magnífica de alegria momentânea. Nunca me senti tão bem em toda minha vida. Deveria cair mais vezes.
   Ganhei o meu dia.
      


Pedro Lança Gomes


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tributo à língua portuguesa: Mais que palavras

             
A língua portuguesa é mesmo fascinante

   A língua portuguesa não é uma, mas várias formas de expressão da comunicação. Ela nos permite flexioná-la de forma a atender cada situação que nos é exigida: se queremos saudar um amigo íntimo, usamos gírias; se queremos saudar um prefeito, formalidades. Se queremos comparar um carro com outro, usamos termos em seus sentidos literais, mas, se a comparação for entre uma pedra e o oceano, não há outra saída senão usar metáforas.
   O diferencial do português é o universo de ferramentas e recursos que ele nos oferece. Isso permite a essa língua uma infinidade de construções textuais. O sentido de uma frase pode ser alterado tanto retirando-se palavras dela quanto adicionando-se uma vírgula. Um leitor desatento pode confundir completamente o que um artigo quer lhe dizer e até mesmo distorcer o sentido real do texto em outros. Isso nos mostra a importância de que conheçamos melhor a nossa língua, que, por ser tão rica e fabulosa, também pode ser usada como uma arma social por pessoas que desejam nos manipular.
   Outro aspecto curioso desse idioma é o efeito que a regionalidade tem sobre ele. Não precisamos ir muito longe para percebê-la. Dentro de uma mesma região podem existir inúmeros sotaques e variadas formas de se chamar um mesmo objeto: no Rio de Janeiro, uma borracha é uma borracha; já em Belo horizonte, pode ser um "trem".
    Mas o que mais fascina, é como essa língua dá margem a construções artísticas, tanto em sua forma escrita quanto falada: é impressionante como um jogo de pontuação dá ritmo a um poema - quem quiser que tente acompanhar a alucinante trilha do trem de ferro de Manuel Bandeira - , e mais impressionante ainda, como um sotaque carioca cai bem em um samba - mesmo sendo de uma nota só.
    A língua portuguesa é, sem dúvida, fascinante.



Pedro Lança Gomes

sábado, 2 de outubro de 2010

Razão da existência

O mundo ao nosso redor resguarda, menos para os olhos de uma criança, os seus mais profundos segredos e revelações.
No livro "A festa de Maria" do maravilhoso escritor Rubem Alves, lê-se em um trecho: "Lá vão pelo caminho a mãe e a criança, quem vai sendo arrastada pelo braço - segurar pelo braço é mais eficiente que segurar pela mão. Vão os dois pelo mesmo caminho, mas não vão pelo mesmo caminho. Blake* dizia que a árvore que o tolo vê não é a mesma árvore que o sábio vê. Pois eu digo que o caminho por onde anda a mãe não é o mesmo caminho por que anda a criança. Os olhos da criança vão como borboletas, pulando de coisa em coisa, para cima, para baixo, para os lados, é uma casca de cigarra num tronco quer parar para pegar, a mãe lhe dá um puxão, a criança continua, logo adiante vê o curiosíssimo espetáculo de dois cachorros num estranho brinquedo, um cavalgando o outro, quer que a mãe também veja, com certeza ela vai achar divertido, mas ela, ao invés de rir, fica brava e dá um puxão mais forte, aí a criança vê uma mosca azul flutuando inexplicavelmente no ar, que coisa mais estranha, que cor mais bonita, tenta pegar a mosca, mas ela foge, seus olhos batem então numa amêndoa no chão e a criança vira jogador de futebol, vai chutando a amêndoa, depois é uma vagem seca de flamboyant pedindo para ser chacoalhada, assim vai a criança à procura dos que mora em todos os caminhos, que é divertido andar, pena que a mãe não saiba andar por não ter os olhos que não sabem brincar, ela tem muita pressa, é preciso chegar, há coisas urgentes a fazer, seu pensamento está nas obrigações de dona de casa, por isso vai dando safanões nervosos na criança, se ela conseguisse ver e brincar com os brinquedos que moram no caminho, ela não precisaria fazer análise..."

Ao fechar nossos olhos para o que a vida quer nos mostrar, criamos uma prisão para nós mesmos, impedindo assim que percebamos a verdadeira beleza das coisas. Lembro-me do dia em que mamãe veio até mim, maravilhada, por ter descoberto que dentro de cada pedra de gelo do congelador se escondiam maravilhosas esculturas misteriosas.
Muitos se contentam em apenas existir e são raros os que escolhem viver.
Vamos, pois, com o nosso cotidiano, desvendar o mito da existência.



Pedro Lança Gomes

Curto-circuito

  Um olho. Outro olho. Talvez os dois...3:30! Talvez nenhum. Um silvo interrompe a noite. A noite dialoga com o silêncio. O silêncio se sente sozinho, e, timidamente, anuncia sua partida. O sol sorri, o relógio não. Banho. Café com livro pão com meia. Rua. Abraços, beijos recomendações...relógio. Relógio! Reta, reta, reta, reta, curva, relógio. Morro que desce, morro que sobe, viaduto, relógio. Rua que cruza, rua que roda, semáforo...faixa. Carros buzinas, passos pessoas. Conveniências. De repente, silêncio. Pés juntos e mãos estendidas. Cabeça cheia e barriga vazia. Olhos, negros. Negros como a própria penumbra, olhos como tristes lamentos. Pessoas. Buzinas, carros e passos. Chegada, relógio...relógio. Alívio. Sala. Amigos, abraços, sorrisos. Esperança. Lapiseira, borracha, caneta, livros. Cadeira quebrada, dor nas costas. Frio, fome, fim. Casa, almoço, conforto. Descanso...relógio! Livros, apostilas, cadernos, lapiseira, borracha, caneta. Dádiva do presente. Entardecer, noite, pausa. Jantar, família! Banheiro. Pia, vaso, chuveiro. Quarto, cama, foto. Saudades. Telefone, meu amor. Sono, relógio...Relógio! Despedidas, carinhos, trivialidades. Inspiração. Música, violão. Samba-canção. Travesseiro, sonho. Imensidão.
  Um olhar.




Pedro Lança Gomes