A vida humana e a morte
(Autoria: Pedro Lança Gomes; Felipe Sad Salomão Martins)
Segundo Segre e Cohen (1995), a bioética é o ramo da ética que enfoca questões relativas à vida humana e à morte. O direito à vida e à morte digna são abordagens presentes desde o momento em que o homem consegue valorizar sua existência e temer o seu fim (Campos e Camargo, 2000).
“As ações do regime nazista banalizaram a vida humana e a morte. Os corpos foram marcados pela violência, desde a sua perseguição, do encaminhamento aos campos de concentração e câmaras de gás, ao seu despejamento em valas coletivas. O corpo se viu sendo utilizado como instrumento para a construção de uma ideologia sectarista.”¹
“As atrocidades cometidas pela ideologia de Hitler marcaram de insignificância a vida humana”¹
A banalização e o desrespeito à vida humana são uma constante em nossa sociedade.
A conseqüência direta da banalização da vida humana e da morte é a perda de senso critico em relação ao valor da existência humana.
Essa banalização leva a barbárie e possivelmente torna o homem insensível à dor alheia. Pode também despertar pulsões de diversos tipos, dentre ela, a violenta, a homicida e a suicida.
O direito de nascer, crescer e morrer naturalmente são invioláveis.
A antecipação da morte é uma violência, na qual o respeito à vida não existe, há a banalização da vida retirando seu valor essencial. (MARTINS, 2010)
Partamos então para a análise do conceito de vida. Segundo o dicionário online de português (http://www.dicio.com.br) a vida é, dentre outras coisas, um conjunto de condições necessárias à preservação do homem, além de um espaço de tempo entre dois acontecimentos. Conceito um tanto mesquinho para definir algo tão grandioso, provavelmente porque muitos confundem vida e existência – viver é a coisa mais rara no mundo, a maioria das pessoas apenas existe, ou, segundo Milton Nascimento, “apenas agüentam”. Para uma criança, a vida é descobrir, para um jovem, a vida é o prazer, para um adulto, a vida é uma responsabilidade, para um idoso, a vida é um enfado. A vida é o que nossos comportamentos e escolhas a tornam, podendo ser desde doce e suave até o mais vil amargo.
Existir é viver em verbos animalescos e ate insignificantes, já a atitude de viver, demanda do ser humano tudo o que ele puder realizar quanto às adversidades do mundo.
Há pessoas que vivem em função de determinados bens materiais, e depositam toda a felicidade na aquisição de tais bens: e quando os conseguir? Há pessoas que depositam a esperança no relacionamento conjugal: e se ele não der certo? Há ainda os que somente acham realização ao desestruturar o que está à sua volta: e quanto à sua própria estrutura?
A vida é suicida. Uma pessoa que consegue realizar tudo o que sempre desejou, ou quase tudo, provavelmente não achará mais razão para continuar vivendo, e, até como um meio de proteção de tudo o que conseguiu, acaba por dar cabo à própria vida. Pessoas assim vêem na morte uma forma de eternizar uma relação com a existência alheia e à própria, demonstrando medo de nunca mais ser feliz. Que bom seria se só pudéssemos viver as partes da vida nas quais não houvessem desavenças, infelicidades e frustrações. A morte é muitas vezes vista como o fim, mas, para uns, como forma de se proteger da própria vida que os cerca. Tudo tende para o seu fim, a vida não podia ser diferente.
Por fim, entendemos então que a vida é o início da morte, e, a partir desse entendimento, compreender que a morte acompanha o homem desde o momento em que o mesmo nasce até o ponto no qual as funções fisiológicas do corpo humano entram em falência total, no qual a vida se separa da morte.
Vamos agora então observar o conceito de morte segundo o dicionário de português online: morte civil, privação dos direitos de cidadania; morte eterna, privação da eterna bem-aventurança. Quando um indivíduo morre fisicamente, ele pode deixar resquícios de sua vida nas pessoas à sua volta: as lembranças e recordações. Porém, perde uma característica comum a todos os vivos, mas que os mortos não têm mais acesso: a possibilidade de mudar de opinião. A morte é a imobilidade da visão individual que cada um tem do indivíduo e a inércia do que foi deixado para trás pelo indivíduo que se foi.
Na profissão médica, a vida e a morte dos pacientes são, muito mais do que rotinas, os alvos de atuação dessa profissão. O médico age tentando evitar a morte, tentando dar qualidade para a vida do paciente e visando, para os que não há possibilidade de prolongar mais a vida, proporcionar uma morte da melhor forma possível. A vida vai do obstetra até o Tanatologista. Por tanto, medicina é o ofício de não só prolongar o tempo que cada um poderá passar nesse mundo, mas também ajudar na passagem das pessoas pelo início e o fim da vida, e que estes possam ter uma vida da melhor forma possível.
Um ser humano nasce devido à fecundação e um óvulo por um espermatozóide e a realização do desenvolvimento de um feto no interior do útero da mãe: explicar como irá ser formado um ser e porque ele irá se formar, biologicamente falando, é simples, basta que tenhamos um conhecimento básico na área. Um ser humano morre quando... um ser humano morre porque... essas sim são perguntas difíceis de serem respondidas.
Quando nosso corpo morre, ele é geralmente enterrado, decomposto e reutilizado nos ciclos biológicos, como o do carbono, nitrogênio, água, etc. Nossa forma física desaparece da face da terra em poucos dias, mas essa forma não é a única que pode representar uma vida. Vivemos também através de idéias: o que escrevemos, o que compomos, o que realizamos, o que perdemos, o que ganhamos, e principalmente o que falamos. A partir do momento que a morte chega e nos deparamos com ela, muito do que somos ela irá levar, mas os ideais que divulgamos e as reflexões que fizemos, se conhecidas por alguém, provavelmente serão lembradas e até passadas para frente.
A grande diferença de uma pessoa viva para outra morta não é necessariamente a presença ou ausência de um organismo físico funcional, mas a capacidade ou incapacidade de mudar de opinião, de acrescentar novas idéias, de expressar seus sentimentos e pensamentos por meio de determinado ponto de vista, no caso, o da pessoa que esta morta.
A morte significa, para uns, descanso, para outros, simplesmente o fim de uma etapa:
“Solta o riso, senhorita
Mostra os dentes
Diz que sente
Alegria de viver.
Ergue os braços
Sente a brisa
Que balança
Os cabelos.
Abre os olhos
Veja o sol
Veja a lua
Eles sempre estarão lá
Vai, descansa
Desse mundo
Que te quer
Desanimada
Mostra os dentes
Ferve o sangue
Solta a língua
Amanhã
Hoje é paz. ”
P.L.G.
A alegria de viver está intimamente ligada ao fato da vida ter um significado, podendo ser ele uma meta, um sonho (“Não há nada como um sonho para criar um futuro”, Victor Hugo), ou até mesmo um paradigma. A morte dá sentido à vida também, pelo fato incontestável de ela ser fática, e a vida, finita.
A única pergunta que deixaremos em aberto é a que para a qual não há resposta: Por que morremos?
SEGRE, M.; COHEN, C. Organizadores. Bioética. São Paulo: EDUSP, 1995.
CAMPOS, R. A. C. & CAMARGO, R. A. E. A Medicina e o direito frente à Bioética - Dilema do fim do século. 2000.