Não sei bem ao certo
o que foi que aconteceu.
Pudera algum dia
os céus, os mares e a terra
se juntarem na mais bela poesia?
E declamarem tais versos
os lábios dos anjos.
E derramarem lágrimas
os olhos de um querubim?
Hoje o sol já se pôs
por detrás de um belo monte.
E as nuvens o confortam,
reluzem sua despedida.
E se foi de mansinho
o Senhor da vida
se encontrar com o sol
e lhe apresentar à lua,
que a noite eu via.
E no decorrer do tempo,
mais versos eram escritos
sobre a vida dos santos
que louvavam junto aos anjos.
Na janela vinha a brisa,
balançava a cortina,
deixando um espaço por onde se via
toda a grandeza do criador.
Me levantei e tirei as sandálias.
Despí-me de panos e máscaras,
despí-me de mim mesmo,
para contemplar Tua glória!
Ao longe se via uma árvore em chamas.
À minha esquerda, o fogo,
à minha direita, as nuvens
e, sobre a minha cabeça, Tua mão.
Meus passos se desfaziam pelo ar,
enquanto meus dedos tocavam o chão.
Meus olhos se banhavam nas águas do mar
de um grande oceano infinito,
alimentado por rios de unção.
Tudo era vale sereno,
mas agora só sombra e morte,
mas, junto às nascentes do monte,
ainda crescem videiras fortes.
Ao som da Tua voz elas florecem.
Ao som da Tua voz elas frutificam.
Seus galhos, pesados e exuberantes,
ao som da Tua voz esmorecem.
Após tudo o que se via,
depois do véu que se resgara,
havia apenas um trono
e nele, apenas um Deus.
Ele se levantou, abriu Seus enormes braços
e envolveu o mundo, e chorou.
Via-se amor em cada lágrima.
Voltou-se para o seu trono, e de sua boca
emergiu o segredo dos segredos
Tudo recomeçava diferente do que foi,
mas a chuva não parava de cair.
Formava poças pelo chão.
A água sempre escorria da mesma rocha
e, por onde passava, os troncos velhos se levantavam.
O último arco-íris surgiu, desenhado em Seus cabelos.
Acordei, mas a chuva ainda caía.
Levantei, mas o espelho só mostrava máscaras.
Lá fora, poças pelo chão.
Pessoas passavam e não notavam,
a janela que se abrira,
bem acima das suas cabeças.
Pedro Lança Gomes