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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Passos e tramontanas

Tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um não!

Acordei um dia e queria voar. Olhava para o céu pelas falhas da cortina: via pássaros, via nuvens, via aviões e discos voadores. Faltava alguma coisa... (sempre falta alguma coisa). Resolvi completar! Tirei a coberta, tirei o lençol, tirei as meias - fazia muito frio, mas todo o meu corpo parecia, cada vez mais, preso dentro de todo aquele pano. Levantei-me e abri, definitivamente, a janela. O vento levantou meus cabelos, e foi ali que, de olhos fechados, ouvi o farfalhar das fenestras com um tom de liberdade. Voei, voei, voei... e nunca mais toquei o chão da mesma forma. Nunca mais toquei o chão. Nunca mas toquei. Não voltei.



Belo Horizonte, 2011






Pedro Lança Gomes

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Fenestras às flâmulas

 Não sei bem ao certo
o que foi que aconteceu.
Pudera algum dia
os céus, os mares e a terra
se juntarem na mais bela poesia?

E declamarem tais versos
os lábios dos anjos.
E derramarem lágrimas
os olhos de um querubim?

Hoje o sol já se pôs
por detrás de um belo monte.
E as nuvens o confortam,
reluzem sua despedida.

E se foi de mansinho
o Senhor da vida
se encontrar com o sol
e lhe apresentar à lua,
que a noite eu via.

E no decorrer do tempo,
mais versos eram escritos
sobre a vida dos santos
que louvavam junto aos anjos.

Na janela vinha a brisa,
balançava a cortina,
deixando um espaço por onde se via
toda a grandeza do criador.

Me levantei e tirei as sandálias.
Despí-me de panos e máscaras,
despí-me de mim mesmo,
para contemplar Tua glória!

Ao longe se via uma árvore em chamas.
À minha esquerda, o fogo,
à minha direita, as nuvens
e, sobre a minha cabeça, Tua mão.

Meus passos se desfaziam pelo ar,
enquanto meus dedos tocavam o chão.
Meus olhos se banhavam nas águas do mar
de um grande oceano infinito,
alimentado por rios de unção.

Tudo era vale sereno,
mas agora só sombra e morte,
mas, junto às nascentes do monte,
ainda crescem videiras fortes.

Ao som da Tua voz elas florecem.
Ao som da Tua voz elas frutificam.
Seus galhos, pesados e exuberantes,
ao som da Tua voz esmorecem.

Após tudo o que se via,
depois do véu que se resgara,
havia apenas um trono
e nele, apenas um Deus.

Ele se levantou, abriu Seus enormes braços
e envolveu o mundo, e chorou.
Via-se amor em cada lágrima.
Voltou-se para o seu trono, e de sua boca
emergiu o segredo dos segredos

Tudo recomeçava diferente do que foi,
mas a chuva não parava de cair.
Formava poças pelo chão.
A água sempre escorria da mesma rocha
e, por onde passava, os troncos velhos se levantavam.
O último arco-íris surgiu, desenhado em Seus cabelos.


Acordei, mas a chuva ainda caía.
Levantei, mas o espelho só mostrava máscaras.
Lá fora, poças pelo chão.
Pessoas passavam e não notavam,
a janela que se abrira,
bem acima das suas cabeças.




Pedro Lança Gomes

Meu livro

        Caiu a primeira gota de chuva e eu ainda estava sentado, esperando uma ideia. Fugi um pouco e fui procurar em outro lugar.
 
       Caminhei por várias ruas e avenidas: vi pessoas apressadas, e resolvi escrever, mas pouco durou a vontade, assim como pouco devia ser o tempo delas. Vi pessoas paradas, e tentei novamente escrever. Em vão, não havia o que dizer dessas.

  Em uma esquina havia um campo, e nele vi um moleque atrevido correndo em poças de lama. Tinha a roupa em trapos, cabelos sujos, um sorriso sincero e olhos do tamanho do mundo. Foi correndo ele até desaparecer de vista, e, quando dei por mim, lá se fora meu livro!

  Continuei, então, minha busca. Percebi que, a medida em que caminhava, as ruas se ramificavam em ruelas e becos. Cada vez mais e mais pessoas haviam, cada um com seu jeito: vi a miséria de uns, vi a hipocrisia de outros. Vi o amor de uns, vi a indiferença de outros. Todos vivendo a simplicidade de uma vida.

  Saindo de um restaurante vi um casal se amando, loucamente apaixonados. Mal conseguia distinguir os dois, mais pareciam um só corpo, torto e desengonçado, como um bebê que aprende a caminhar. Mas não tive vontade de escrever, por um motivo simples: "Paixões são como aquelas ondas do mar, que crescem, quebram e partem, daqui pra nunca mais"

  O mundo é um oceano de paixões.

  A luz começou a falhar, anunciando o fim da tarde. Chovia fininho, mas a noite prometia uma tempestade.

Belo Horizonte, 2008




Pedro Lança Gomes





sexta-feira, 8 de abril de 2011

Contos e pontos

 Na cidade em que eu nasci tinha um céu que é só de lá. As nuvens soltas, adocicadas, raras, riscavam o grande oceano celeste, e o sol dividia o dia com a lua. As águas iam escurecendo e as primeiras velas apareciam na medida em que o sol se cansava (apesar de continuar iluminando). O mar negro, eu nunca cheguei a contemplar, mas já ouvi histórias dos que o fizeram. Bem dizia o bom pegureiro: "Além de todo horizonte há uma barraca, e nela um velho orago. Quem o olhava nos olhos se descobria nu, e nunca mais usava roupas". O sono parecia sempre mais atraente do que a noite. Nesses momentos, minha mente já costumava estar visitando o fantástico Sítio do Pica-pau Amarelo, as casas do menino maluquinho, de bruxos, de monstros, de anjos, e a do meu avô. Por isso continuo usando roupas.

 Tudo era diferente e extremamente heterogêneo, faccionado. Cabelos longos, louros ou escuros (mesmo os intermediários), não eram bem vindos. A vontade era estar em todos os lugares, e ao mesmo tempo ser gigante, formiga, passarinho, viajante, motorista, motoqueiro, herói, artista, e eu. Resumia-se em um sonho polimorfo multidirecional intrínsceco e extrínsceco. Poderia mudar de passado, presente e construir "n" futuros, só não queria o futuro.

 O tempo não define passado, rouba o presente e recolhe o mistério para sí.

 A manga do pé um dia começou a incomodar, assim como a acerola, a carambola, a amora e o limão. As magníficas árvores não tinhas mais um topo, e a terra mudava, cada vez mais, de cheiro.

 10,11,12,13,14,15...quantos? Quando mesmo que foi a última vez que mergulhei naquele velho imenso oceano pueril?

  A última folha caiu do pé bem a tempo da primeira nascer...



Pedro Lança Gomes